Histórias várias da Misericórdia.

Um sino chamado Bonifácio

Não há igrejas sem sinos, e a nova igreja da Confraria da Misericórdia de Torres Vedras, iniciada a sua construção em 1681, está prestes a ser concluída. Vai daí, um caridoso devoto mandou fazer um sino que, por esmola, ofereceu para a nova igreja. Como é necessário que o sino seja consagrado, a Mesa escreve ao senhor Arcebispo de Lisboa, D. João de Sousa, pedindo--lhe licença para tal e requerendo que a sagração ou bênção fosse feita pelo senhor Bispo Provisor.

Ocupava nesse tempo o dito lugar um torriense: D. Manuel da Silva Francês, Bispo de Tagaste, vigário geral do arcebispado e antigo prior da freguesia de Santa Cruz do Castelo de Lisboa. Era, D. Manuel, filho de Luís da Silva Francês, advogado, e de Maria Machado, tendo sido baptizado na igreja de Santa Maria do Castelo a 26 de Março de 1651 e vindo a falecer em Lisboa a 12 de Outubro de 1727.

 

Foi este sino benzido com as cerimónias do Pontifical Romano na igreja de Santa Maria Madalena da cidade de Lisboa a 30 de Junho de 1710. Presume-se que estaria na torre sineira da igreja da Misericórdia quando esta a 6 de Setembro do mesmo ano foi benzida pelo mesmo Bispo D. Manuel. O certo é que o sino não durou muito tempo. Ou por acidente, ou por má qualidade do bronze, quebrou-se.

Como nenhuma Igreja pode subsistir sem sinos, resolveu a Santa Casa encomendar um novo. Desta vez a um fundidor afamado: Luís Gomes de Oliveira, com oficina de fundição no Campo de Santa Clara junto ao Postigo do Arcebispo e com alvará passado por Sua Majestade a 11 de Janeiro de 1674. Aliás, Luís Gomes também havia sido fundidor de canhões no arsenal do exército, ali no mesmo Campo, em frente de Santa Engrácia.

 

Depois de fundido este novo sino, seguiu-se o ritual canónico e passado um tempo recebia-o a Mesa da Santa Casa da Misericórdia e, com ele, uma carta do Provisor, o senhor D. Manuel da Silva Francês Bispo de Tagaste, escrita pela mão do seu secretário, o padre Diogo Pereira Bacelar, com os seguintes dizeres: “Em catorze de Maio fizemos em a Igreja de S. Vicente de fora a bênção de um sino da Misericórdia de Torres Vedras a quem pusemos o nome de Bonifácio por ser feita a dita bênção no seu mesmo dia e que para todo o tempo conste mandamos passar a presente pelo nosso secretário. Vai com o nosso sinal e selo das nossas armas.”

 

                O Bonifácio ainda lá está na torre sineira da igreja de Nossa Senhora da Misericórdia acompanhado de outro mais pequeno e, que se saiba, inominado.

                O Bonifácio ainda lá está trezentos e oito anos depois. Já muito mudo …

                Que saudades de ouvir os sinos tangerem pela tardinha nesta vila de Torres Vedras!

João Flores Cunha

01/07/2021